Há mais de dois anos não escrevo aqui e, nesse sentido, não escrevo.
A escrita, para mim, sempre foi de uma ordem mais subjetiva, de inscrever experiências.
Com o advento das redes e da facilidade de acesso e compartilhamento, meus textos saíram de seu local de origem - dos diários, realmente íntimos, de uma leitura intrapessoal, digamos assim, em que a autoria se prevê enquanto destino final - para marcarem um ponto em rede.
Nesses mais de dois anos, muitos acontecimentos.
Conheci e encontrei o cara com quem pretendo compartilhar minha vida até os noventa e poucos. Foi um encontro virtual, novidade para mim (sou dos anos setenta, né, gente :P), de dois pontos em rede. Viajamos juntos pela primeira vez: ele, no frio irlandês e londrino e eu, aqui, no calor da ilha. No boteco da esquina - botequim - aconteceu o encontro real - corpo a corpo, energia, chuvinha de verão e um guarda-chuva do tamanho do mundo. Fechamos o estabelecimento e, desde então, nos estabelecemos em uma parceria única, especial, em sintonia. Dividimos nossos lares: um pouco lá, um pouco cá. Começamos nossas viagens e, estando em outros lugares, estrangeiros, fomos nos conhecendo cada vez mais. O olhar de fora nos remete para dentro e o perder-se faz o encontro.
Em quase um ano, optamos por um único local que pudesse agregar nosso corpos e almas, simultaneamente. Foi simples. Nenhuma crise de pânico, nada de ansiedade. Parecia ser o que era para ser (e não é assim que as coisas são?). Nossas vidas de encaixaram de forma tão fluida, tranquila e comecei a entender o que é o amor, também racionalmente. Viajamos mais e mais. Tanto, que nem lembro mais datas e cronologias, Se bem que resolvi deixar essa concepção de lado - ao lidar com experiências/acontecimentos for do hábito - desde que escrevi minha tese (ou ainda durante a dissertação ) - e abandonei o tempo amarrado ao pulso, também conhecido como relógio.
Um ano depois, agora, 2015, optamos por selar nosso compromisso em termos de legalidade e direitos. Casamos no civil em um dia que nos possibilitou engatar o período de licença gala a um feriadão desse e, ainda, a 10 dias de férias. Afinal, o tempo cronológico precisa ser usado para bons fins, certo? Reservamos os outros 20 dias de férias para setembro (mês que vem).
Antes disso, ou simultaneamente, estávamos pensando que era hora de ampliar ainda mais nosso laço e produzir uma mistura, um ser que fosse ambos. Antes de casar e da viagem à Buenos Aires, no carnaval, descobrimos a gravidez. Na pia do banheiro, quadrada, branca, asséptica, olhando para aquele potinho com duas listras: há um bebê aí dentro, foi o que o Ricardo disse.
Desde então, a confirmação. Eu já imaginava, em função de outros indicativos, mas, né, nada é muito certo quando se trata de corpo e mente: eles se enganam, às vezes; entram em conflito. Não foi o caso: exame de sangue é mais preciso. Não foi surpresa, na medida em que fez parte dos planos. Foi e está sendo esperado. Mas mesmo tendo sido esperado/desejado, a surpresa se instalou, naquele instante. Isso é real, mesmo sendo um real imaginado, pressuposto, antecipado (afinal, o presente é o que há e do futuro, só imaginado o que será).
Foi um abraço tenro, uma comunhão. Seríamos/seremos pais.
O ímpeto da escrita veio de uma grande amiga, Mayra, que acaba de compartilhar sua experiência de gravidez e nascimento: de ocupar o lugar entre gestante e mãe, entre o conhecido e o novo, entre o ser pressuposto e o vir a ser.
Tornar-se mãe é esse processo mesmo. Modificação no corpo e na alma, sentir-se invadida por uma energia e movimentos internos que são e não são meus, outro dentro de mim. Sensação louca e apaixonante, desde já: descontrole, posse e não posse, deixar ser e deixar vir, permitir o desenvolvimento da vida.
Tornar-se mãe é tornar-se fluxo, escapar das convenções e estipular medidas, conforme as notas musicais. É tomar decisões não só para si, mas com o intuito de guiar/mediar outro ser, futuro sujeito atravessado pelos seus próprios desejos.
Tornar-se mãe é ouvir dicas, sugestões e "ordens" (sim, tem gente que valida sua experiência para o geral das mulheres, equivalendo uma por uma, e, assim, ordena) de todos os tipos e espécies: alguns discursos mais positivos, outros negativos, em diversos graus de intensidade.
Tornar-se mãe, no entanto, é uma experiência singular, mesmo com tantas repetições (afinal, as mães existem desde muito tempo), assim como a vida que cada um vive. Há teses, demarcações, generalizações, no sentido de padronizar e referenciar as mães, mas, não esqueçamos: há, também, diferenciações, desvios, momentos que marcam as singularidades. Ninguém é igual a ninguém.
O estado de gestar/gerar evidencia ainda mais essa questão de ser.
Tales está para chegar, ou melhor, sair, em breve. Vai estar nesse mundão pela primeira vez e sentir a experiência da vida de fora, tão potente.
Estaremos aqui.
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