terça-feira, 8 de março de 2011

SeCine: uma experiência de algum tempo


A sensação de tempo sofre uma distorção similar à experienciada em Trainspotting, outro filme genial do inglês Danny Boyle. A angústia e o desespero também se presentificam. Por quantas horas teria que suportar aquilo? pensei. Será que as 127 horas pressupostas na narrativa sejam equivalentes a 127 minutos de presença-distância do eu-espectador? Algum trocadilho? Alguma teoria sobre um novo tempo de experiência daquele que assiste? Mas estes perguntas vieram depois, é claro: naquele a posteriori da compreensão, da absorção, da modificação, da celebração.
As 127 horas vivenciadas em um quase monólogo trazem à tona uma noção muito mais ampla de tempo: para além do chronos, a influência constante da memória nas nossas percepções - a concepção de duração do filósofo Bergson - e, portanto, na construção de nosso presente, assim como as alucinações - fragmentos desvinculados de tempo - afloradas pela falta das nossas necessidades básicas: água, alimento, calor.... E, é claro, o desejo por um tempo futuro, devir (vide outro filósofo aue trata da vida, Deleuze), a busca dos nossos sonhos, produzido, essencialmente, pelo nosso instinto de sobrevivência. A pulsão de vida quase sempre é mais eficiente do que a de morte. Freud. 
Neste contexto, as 127 horas se ampliam em passado, presente e futuro, tal qual um elástico; neste caso, à corda que amarra e desliza o corpo nas escaladas dos sonhos, das buscas. Na viagens da vida, algumas quedas são inevitáveis. Nos deparamos com percursos mais rochosos, é verdade, mas também com momentos tão singulares, tão simples - presentes.
Raramente nos damos conta da nossa existência frágil e efêmera e de como a vida passa, enquanto fazemos planos (adaptação dos Beatles, para pingar algumas notas na tela). Aquele ideia recorrente de que vemos a vida passar pela janela de nossos pequenos cubículos existenciais. 
A influência do cinema - das artes, em geral - é tão significativa que, ao término das 127 horas ficcionais, saí para caminhar, correr, me deparar com a abertura do céu. Choveu durante todo o percurso. Tomei o melhor banho de chuva da minha vida. De novo.