terça-feira, 26 de março de 2013

A primeira reunião

Depois de uma passada por um oficina literária, resolvi ir em busca de textos antigos... lembrei-me de um conto, o do sábio velho chinês.

A primeira reunião


Ana é o fato gerador da empresa fantasma, possível cooperativa, desde que todos os clientes associem-se aos furos da lei. Será um empreendimento possível? Segundo Guilérme, filósofo renomado que sofre do distúrbio da fala compulsiva em conjunção com a doença que mais afeta e se dissemina em ambientes virtuais educativos, a EP, este tipo de cooperativa é sim, possível. Entre os grupos oligárquicos e onipotentes da cafeicultura brasileira, a associação aos grãos de ouro da nossa terra, é um empreendimento mais do que garantido. Só não se engaja quem não pode, porque, nos dias globalizados de hoje, todo mundo quer uma boca dessas. É um bom bico. No entanto, a tarefa não é tão fácil assim. Mas, também de acordo com a filosofia milenar, o fácil não compensa: para ser valorizada, a ação requer uma certa dificuldade. Quanto mais difícil e complexa for, terá mais valor. Já nos dizia Freud, figura recorrente no decorrer da primeira reunião, a civilização é um processo resultante do mal-estar. Veja bem a escrita, não se trata do mau e do bom, simples pensamento dialético ultrapassado no tempo do múltiplo, mas da questão perturbadora da coletividade humana. As dificuldades da convivência podem resultar em equívocos inconscientes da linguagem, caso de uma das pérolas do vestibular: seromano. Este tipo de ato falho requer um estudo mais detalhado que não cabe no espaço desse conto, mas que vale a pena ser redito e transmitido para os próximos omanos que virão, além dos que aqui já estão. Lá estavam omanos de todos os tipos, como era de se esperar porque até hoje não foram encontrados dois iguais e espero que os cientistas genéticos ainda não tenham criado clones perfeitos, pois convenhamos, existem seres muito estranhos na face da terra. Parte do vilarejo dos sete anões estava presente naquele entardecer. Entre saídas abruptas e movimentos uniformemente irregulares, mas sempre velozes, os três anões sentiram-se em casa, nos melhores cômodos do castelo kafkiano. Através de seus discursos mirabolantes e um pouco paranóides, os pequenos seres, que não eram agricultores e desconheciam o prefeito local, fascinavam seus interlocutores. As brechas das leis se abriam e até mesmo o show da educação foi proposto, juntamente com o fundo social. No entanto, eles não esperavam a presença marcante do grande tio tadeu-son, advindo de uma reverente linhagem da sabedoria chinesa. As aparências enganam, dito popular que mostra sua eficácia neste caso, pois o mestre tadeu-son não parecia nada chinês. Nem olhos puxados tinha. No entanto, tudo é possível com as cirurgias plásticas tão requeridas atualmente e muito valorizadas. No caso do mestre, o pedido foi de contra-fluxo, ao invés de esticar a face e os olhos nela contidos, o processo foi reverso. Deixar de ser chinês e, assim, logicamente, disfarçar suas origens sábias, tadeu-son, utilizando dessa mesma sabedoria, tornou-se homem branco padrão. Nada a ser questionado, os anões da lei aceitaram-no tal qual, tão normal. As falas eloquentes e humorísticas do mestre desviaram os olhos e ouvidos hipnotizados dos omanos presentes, fazendo com que o castelo caísse e que um dos pequenos seres desaparecesse por mais tempo do que o normal, causando uma desordem mais do que natural no funcionamento do sistema kafkiano. Depois de 67 cervejas e oito horas de carne, a reunião deu-se por encerrada, encerrando também seu fato gerador, mas deixando em aberto, nos corredores da lei, uma segunda chance. 

12/02/2007

sábado, 2 de março de 2013

Um (não) manual para mentes férteis sem agrotóxicos: a (não) maestria


Inspiração: inspirar uma ação.
Estava lá, nadando - ação do nado e, em momentos de lucidez presente, do nada - e as ideias brotando, os frases se formando. Muita ação - present continuous.
Pensando e escrevendo - mentalmente - um texto: uma organização de ideias.
Irrupção do título.
Um manual, correto - exposição do raciócínio lógico, do passo a passo, direcionado à ação. Sim, faço isso da vida. O manual tem o seu valor, na medida em que otimiza o tempo. Creio ser esta a sua função: funcionar a favor do tempo, que parece nos ser cada vez mais escorregadio.
No entanto, sem agrotóxicos, sem veneno: o não manual.
Fica implícita, nisso, a questão da singularidade, da impossibilidade de criar um roteiro de vida geral - uníssono - para todos aqueles considerados dentro de um grupo alvo. Esta proposta equivaleria a envenenar os sujeitos, com o intuito de adestrá-los, "emparedá-los".
A urgência da ação foi concebida também pela maestria, pela (não) função do mestre. Para quem ainda não viu, vale ver: filme ilustrativo dos efeitos da dependência.
E quando não é a figura do mestre, são os livros de auto-ajuda, os programas de televisão, os manuais seguidos à risca (e a sequência interminável de objetos postos na mesma linha de substituição) que nos propõem como nossas vidas devem ser vividas.
Mas e por que, mesmo, devemos receber essas intruções? A felicidade/bem-estar nos é externo? Basta comprar?



Conversava com um amigo sobre o Budismo, sobre a figura do "mestre" Buda e, mais particularmente, sobre a experiência da vida.
Meditação: meditar sobre a ação. Princípio fundamental que pressupõe um não-movimento de ideias, esvaziar a mente, escapar dos pensamentos. Pressupõe o simples (e difícil) ato da presença.
Pressupõe a não consciência do futuro e a não consciência do passado: simplesmente a consciência presente.
Mas para que isso, mesmo?
Para diminuir o ritmo, quem sabe. Para atingir um estado corpóreo-mental de paz, plenitude, descanso. Para ser.
Esssa prática requer uma repetição: uma ação repetida. Requer um manual, uma disciplina, um passo a passo, até que se realize por si só.
E eis onde queria chegar, lá no início - pois não estou aqui meditando, portanto, projeto o futuro e relembro o passado: estamos esperando que a felicidade nos venha de fora, por meio de laços de dependência, que, geralmente, nos trazem o contrário - queixas e doenças?
Estamos esperando que façam por nós o que é (ou deveria ser) de nossa livre vontade? As ações sempre serão nossas, assim como suas consequências.
Os manuais nos são válidos para planejamentos, para colocar em jogo desejos, futuros possíveis, na medida em que delimitam as possibilidades.
A fertilidade, no entanto, não é alimentada por agrotóxicos - por um "sair de cena" enquanto permanência no palco. Requer ação. Inspiração. Meditação. Improvisação.
Manuais, guias, bíblias, fimes, discursos, textos científicos, filosóficos, amorosos, e assim por diante, pressupõem.
A vida, acontece.
Mais ausente ou mais presente.